quinta-feira, 11 de março de 2010

.:A Corda:.


Não importa por onde olhassem, a corda já estava no lugar, como algo ordinário que é.
“O lugar menos suspeito sempre é debaixo do nariz”, pensou.
Claro que poderiam achar que era aquela corda pendurada no canto, mas entre tantas? Claro que poderiam achar que era uma corda, se ainda houvesse pescoço. Poderiam também achar que era o cutelo, tão afiado e impecavelmente limpo, mas se ainda houvesse pedaços. Achar que a churrasqueira dera cabo de tudo, como sempre. E os porcos, tão empanturrados, por incrível que pareça, destes, ninguém pensaria nada.
Afinal, não estavam ali para invetigar, como se poderia presumir, uma família normal como qualquer outra, como se poderia presumir, para fazer justiça a um injusto.
Apenas dito como desaparecido, apurando e levando, apenas, todas as evidências de valor.
Parecia um pequeno preço a se pagar pela liberdade, tanto do tirano, quanto das grades.
E num acordo silencioso, entre pessoas que não poderiam char muito mais do que já sabiam, de por que aquela situação tenebrosa culminou na corda, todos se retiram e assim contemplam um novo recomeço, com passos assustados de início, mas finalmente com ar para respirar.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

.:Corpo, ou como morrer completamente e nunca ser encontrado:.


“Tá mais um corpo estendido no chão”
Cantarola o jovem enquanto caminha para a rua, uma canção que ilustra muito bem aquele local por onde o jovem caminhava, não raro era possível encontrar pessoas deitadas, vivas ou mortas, ébrias ou sóbrias. O jovem está pensando nesse momento sobre sua vida, sobre seus planos para esse fim de semana. Tinha muitos planos, estava na idade de ter planos para todos os dias, pensava nas suas namoradas (é tinha várias), suas drogas (também tinha várias) e suas casas (ele sempre tivera muitas opções e optou por não escolher).
Enquanto isso, fora de suas infinitas opções particulares, o mundo ainda girava. E este mundo se choca com o garoto. Uma multidão. Vozes altas de todos os timbres ecoavam na mente ocupada do jovem. E ele repara. Para. E tenta observar. “O que estão todos observando? O que poderia atrair o interesse de todos? Curiosos”. Bem que ele tentou não ser seduzido pela curiosidade, mas não teve muita escolha, acabou por se aproximar mais do centro de todas aquelas formigas, queria descobrir o que realmente acontece.
Bem, o jovem é alheio a tudo, suas mulheres, drogas e casas fazem com que seu tempo seja dedicado a tudo isso, não sabia mais nada sobre o mundo e muito menos dele mesmo. Até alguns amigos dele disseram que um dia ele iria se olhar no espelho e não mais saberia que era ele quem a imagem estava encarando.
Depois de empurrar muitas pessoas, algumas até distantemente reconhecíveis, ele chega e se depara com um jovem morto, com uma bala e na mão uma trouxinha de maconha, diziam as muitas bocas que ele morreu após tentar fugir com a droga de um qualquer. Mas como ele também era um qualquer, não faria muita diferença para o crime em eliminar essa pessoa que nem mesmo tinha um nome para se lembrar. “Pode ir atrás dele e matar, ninguém sentirá falta mesmo” disse um chefe da boca quando soube que seu cliente qualquer tinha fugido com a droga.
Após olhar com indiferença para o corpo, o jovem seguiu com sua rotina diária à lugar nenhum, enquanto seu corpo estava ainda estendido no chão e onde ficaria até que uma ambulância levasse ele para o IML.

Daniel Faleiro

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Casal



Foto: Grivicich

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Danke


"Danke, Mademoiselle." Disse o velho a uma moça que deu uma caixa de papelão.
Desde que chegou não se lembra de muita coisa daqui. Foi se esquecendo aos poucos e só se recordava do que era mais recente. Lembrava muito do último lugar que esteve. Lembrava de uma menina sorrindo. Lembrava dos dias. Lembrava que queria ser lembrado. Ultimamente estava lembrando menos.
Catava papelão na rua, era como conseguia o seu dinheiro, era basicamente o que conseguia fazer, o que seu orgulho deixava.
Ia voltar! Tinha convicção. Só não tinha clareza.
Andava muito, quase a cidade inteira. Andava para sobreviver e para ver a menina do sorriso, que há algum tempo não sorria mais.
Na verdade ele nem via mais a menina praticamente. Isso o deixava triste... Muito... Mesmo.
Andando perto do canal ele pensava no papelão, na caixa, na volta. Por cima?
Então viu um arco-íris no meio do canal imundo. As cores tão lindas que maravilhavam seus olhos, que sempre maravilharam. Seu peito se encheu naquele instante. Se virou para falar com a menina, mas ela não estava lá.
Ao longe viu o reflexo do sol piscando num instante. Aquilo que entendia bem. Bateu uma pontinha de inveja por não ser ele atrás do reflexo. Sorriu e penseou (se consolando pela falta da menina) que não precisaria mais se lembrar de ser lembrado. Já estava a mais um passo de poder ir.
Bateria um orgulho tremendo se soubesse, que por trás do reflexo daquela lente, estava a menina para lembrá-lo.

Grivicich
Foto: Daniel Faleiro

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Reflexos


“Há quanto tempo que não encaro o espelho?”

“Será que não me reconheço por não olhar ou nunca mais olhei por não me reconhecer?”

Essas foram as primeiras palavras que disse na parte da manhã enquanto me vestia, olhava meu reflexo (será nosso reflexo quando não nos reconhecemos?), era estranho, parecia que estava mais magro, parecia que perdi uns quilos ou até mesmo a juventude. Não terminei nem de me vestir, o reflexo me incomodara de tal maneira que larguei tudo e fui de cueca tomar meu café.

Chegando na cozinha, preparei meu café de costume (na verdade não foi de costume, pois nunca preparei um café pensando em meu próprio reflexo), e sentado na cadeira comecei a pensar. “Onde foi que eu me perdi de mim mesmo?” “Quando foi que deixei de perceber que meu cabelo começara a cair também?”.

Bem não tinha muito tempo para pensar nisso, tinha que me arrumar para o trabalho. Engoli o café fui para meu quarto de novo.

Estando lá parado, não resisti e olhei de novo a forma que se apresentava diante do meu espelho. Foi então que comecei a perceber certos detalhes antes ocultos. Ele era loiro, tinha olhos negros como a noite e tinha uma grande cicatriz em sua testa. Neste exato momento que tive um misto de alívio e medo. Sorte por que não ser aquele que se apresentava diante de meu espelho (ora eu tinha cabelos negros e olhos claros! E nunca tive cicatriz!), mas assustado por não saber onde minha merda de sombra foi parar.


Já tinham se passado uns minutos quando percebi que não havia tirado o olho do espelho, maldito espelho. Amaldiçoei todas as pessoas que vinham em minha mente, minha namorada, meu chefe, meus amigos, a merda da pessoa que me vendeu esse espelho. “Que merda de espelho! Nem funcionar funciona!” pensei, mas logo voltei a minha sanidade a perceber que espelho nenhum no mundo poderia dar defeito, só se quebra. Quando inteiro não consegue nada além de reproduzir.

O desespero foi aumentando conforme eu percebia que algo de errado devia estar comigo. E que não adiantava de nada eu ficar parado pensando diante dessa imagem quimérica. Corri para o criado mudo e procurei por ma faca ou tesoura, sabia que havia algo lá, e encontrei uma tesoura. Com minhas mãos tremendo peguei um tufo de cabelo e cortei. Desci com muito medo minha mão com medo do que poderia ser, quando vejo cabelo loiro em minhas mãos. Não podia acreditar, não podia ser mesmo. Tive que fazer algo mais radical para provar a mim mesmo o que estava acontecendo. Com uma das mãos segurei com força a tesoura e com a outra pus com a palma aberta para cima na altura do nariz e comecei a retirar um de meus olhos (o direito para os curiosos). A dor nem foi sentida diante de tal desespero, a verdade doía mais. Quando consigo retirar minha córnea, desço de novo minha mão e vejo olhos negros, negros como a noite. Só me lembro de que fechei o olho que me restava, caí de joelhos e disse em voz alta

“Eu sou....Eu não sou...Eu nunca fui....Quando me perdi de mim?”



Foto: Clara Grivicich

Texto: Daniel Faleiro



segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pedaço de Felicidade


Pedaço de Felicidade

Ela não se recorda ao certo quando, ele sempre esteve lá. Doce, delicioso, chegava a achar que ele esteve ali antes mesmo de experimentar o leite materno. Desde pequena a acalentava e dava paz. Apesar de que um dia ele a envolveu e foi embora com aquele aroma que a mais fazia feliz. Se recordava numa vaga lembrança daquele poste agarrando a maleta e dando um beijo de despedida (o último).

Mas ela tinha seu refúgio no sabor que a acompanhava desde... Porém isso foi tirado dela quando já mais crescida:

-Pare de comer tanto chocolate! Você está muito gorda! - Esbravejou sua mãe, certa tarde. Ela nunca a perdoou por transformá-la num pequeno paquiderme.

A partir daí foi um amargo, amargo que não era dele, uma agonia, somente tristeza. Achou que aquele acalento estava perdido para sempre.

Até que um dia, já totalmente crescida, com suas pernas compridas e altura de poste, andou até encontrar aquilo que daria o tal conforto perdido. No meio do caminho encontrou seu próprio chocolate.

Foto: Figo
Texto: Grivicich