terça-feira, 19 de junho de 2007

Gato

Foto: Clara Grivicich


Olhos de gato

Como se tivesse olhos de gato, fitou-me com mistério. Pareciam rasgar minha alma, pareciam me levar para algum lugar qualquer que não fosse aqui, não neste inferno que estou agora. Me lembrei de todos os momentos em que senti algo parecido com isso, que pudesse descrever usando a caneta da memória, mas nada encontrei. Realmente, tudo isso era novo e diferente. Assustador mas tentador como quando somos crianças e vemos uma sala escura e mesmo com nossas frágeis pernas tremendo seguimos em frente. Quem dera se todos os adultos fossem assim. E acho que chegou minha hora de ser assim, de trazer meu pequeno-eu de volta ao mundo, de tirá-lo desta gaveta que se chama ontem e fazê-lo hoje para que amanhã eu me sinta melhor.

Passaram-se apenas alguns segundos, e você continua parada com seus olhos de gato, estou ainda tentando decifrá-los. Você me convida ao novo mundo que é você, esse mundo novo de mistérios, escuro a espera da luz que você diz ser eu. Eu estou sem forças diante de você, não consigo mover sequer um dedo, não consigo fazer um menor som nesse silêncio, nesse silencioso mundo que você moldou, que brinca comigo e se diverte com esse meu medo.

Continua me encarando com esse seus olhos de gato, percebo que você espera apenas um mínimo gesto meu. Ora eu sou homem, devo tomar iniciativas já que o mundo diz isso. Você não pretende mudar uma nota musical sequer, a pausar parece eterna. Mas agora consigo, consigo rasgar esse silêncio ensurdecedor, consigo contra essa força de toneladas insegurança sob minha força de vontade e consigo romper com toda essa estrutura que você criou em torno de mim. Ganhei de você.

Por Daniel Figueiredo