sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Chinelos


Aqueles chinelos permaneceram nesta mesma e exata posição por dias, semanas, talvez até mesmo anos. Apesar do chão estar impecável de limpo, assim como o chinelo, ninguém ousava usá-los. Ninguém ousava ousar.
J. costumava usar este par em sua casa, não havia um dia em que eles não se moviam, eram indissociáveis dos pés de seus donos, assim como o coração do corpo.
Claro que um dia o coração pará, torna-se inútil. Assim aconteceu também com estes chinelos. J. estava com seus chinelos e conheceu uma grande pessoa. L. Esta pessoa prometeu o céu, dizia que era o céu que devia se chamar "Sua casa". Este era seu lugar. J. acreditou em suas palavras, mas claro que as palavras só servem quando algo as aprova. J. e L. Fizeram amor, seus corpos se uniram , seus corações bateram como um só, suas respirações tornaram-se "respiração". L. se tornou J. J. tornou-se L. J. L. L. J. Como combinado, logo após ao grande ápice, ao nirvana, a plenitude. J começou a sentir-se leve e como uma pluma e começou a levitar, o chão não mais a pertencia. No lugar de chinelos, asas. No lugar da realidade, SONHOS.

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- Ei, não ganho nem um beijo de despedida e umas palavrinhas bonitas?
- Ah... sabe, não sou muito disso. Tenho que estar no Check-in em poucos minutos. E sabe, nesses momentos eu nunca sei o que dizer, as vezes falo besteiras e .... sabe?
- Não sei, para mim parece que tudo que passamos juntos foi algo fugaz e sem sentido. Me sinto
fraca por não ouvir umas palavras.
- Bem, pode até parecer muito "cliché" mas o que passei com você, não tem palavras para se descrever. Eu já disse que não sei usar muito bem as palavras. Você lembra?
Naquele dia na pizzaria perto da Saldanha? A gente se beijou pela primeira vez saindo de lá, naquela ruela. Poxa, aquilo foi um dos melhores momentos da minha vida.
- Sim, eu me lembro muito bem....
- Então eu não sei falar nada que faça a gente sentir a mesma coisa que sentimos. Palavras são um pouco inúteis.
- Bem, eu entendo. Então quero algo aqui, uma ação, que me faça lembrar de nossa despedida de uma forma especial.
- Ok, eu já tinha pensado nisso. Feche seus olhos....Feche mesmo....Ainda estou te vendo.... Assim....Conte até 10.

Quando abri meus olhos, só pude ver um par de chinelos, aqueles que ele usou na nossa primeira noite e única noite. E ele havia desaparecido. Só seus chinelos. Belos chinelos.

Casal Atencioso



- Então está certo! Vamos decidir no jogo.

Se sentaram e começaram a mexer as peças.

O jogo só precisava estar na cabeça deles, não havia necessidade de peças reais, apenas as imaginárias eram movidas.

Ainda bem que a discussão tinha se iniciado na praça, assim haviam encontrado um jeito bem prático e rápido de findar com aquela disputa que até então se dava em palavras.

Alguém que passasse poderia observar perplexo a avidez com que jogavam o jogo invisível.

Suas discussões sempre levavam horas e nunca chegavam a uma conclusão, certas decisões eram sempre decididas com algo que fosse incontestável, como jogos e sorteios. Quem conhecia esse casal ficava impressionado com a freqüência com que discutiam e mais impressionado ainda com a infinidade dessas discussões.

- Xeque-mate!

- Você estava jogando xadrez? Eu estava jogando damas.
- Ah... Eu estava imaginando outra coisa...

Grivicich
Foto: Daniel