sexta-feira, 7 de março de 2008

Morte



João estava deitado na grama do parque de sua cidade quando ao observar as nuvens - coisa que fazia sempre em seus tempos livres, buscava inspiração - viu uma imagem que o deixou perplexo: Viu a morte.

Não sabemos como é a face da morte até vermos, e quando vemos raramente sobrevivemos para contar para outros o que viu e como passou. Em vários povos normalmente algumas pessoas sobrevivem e contam que a morte utiliza foice, espingarda, usa capuz, usa folhagens mortas, as vezes é até O morte. João viu o mundo. O mundo que vive e não um mundo metafísico, um mundo em que nasceu e que agora tira sua vida, um mundo cruel.

No segundo seguinte ao ver o mundo, João foca sua vista em uma pequena parcela de seu mundo, foi se aproximando e se aproximando, quando de repente viu-se na nuvem, a nuvem que outrora tornara-se A morte-mundo, é a Morte-João. Não usava capuz e nem uma foice, vestia-se como ele normalmente se veste.

João ao perceber isso ficou sem ar, sentia-se leve mas não aquela leveza que desejamos, e sim uma leveza de sentir que seu próprio corpo não o pertence. E João não conseguia externalizar o que sentia e a razão d'ele se ver nas nuvens e creio que nós nunca saberemos o que ele sentiu.

As nuvens agora tornaram-se negras. Negras como as expectativas dele.

Então, como se alguma força maior que a Morte triunfasse agora, João de sobresalto corre em direção ao lago do parque e se joga... Horas depois não há nuvens, não há morte e João está limpo de novo.


Daniel Figueiredo

sábado, 1 de março de 2008

Ler ou comer

All you need is written on books
- Sabia que a maioria das mulheres inglesas preferem ler um livro a fazer sexo?
- Nossa... nunca me casaria com um inglês então.
- Você lê muitos livros.
- Você também.
- Eu sei, mas nunca fui de sentar em tudo quanto é lugar e parar para ler.
- Mas agora você é.
- Pq não queria me sentir só, já que você sempre senta em tudo quanto é lugar para ler.
- Gosto muito de ler.
- Mas não sentamos aqui para alimentar nossos estômagos e beber uma cerveja?
- Não, sentamos aqui para ler e beber uma água.
- Pensei que dessa vez fôssemos comer juntos. A gente não costuma fazer isso.
- Verdade, temos que sair pra comer um dia.
- É... um dia...
- É
- Conheci um inglês ontem.
- Que interessante.
- Estou indo pra Inglaterra, tchau tchau.
- Tchau. Me liga.
- Sim.
Ele sai, levando sua bolsa . Ela continua, sem tirar os olhos do livro, como durante a conversa, e pensa alto:
- Eu nunca me casaria com um inglês...

Grivicich
Foto: Daniel

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Chinelos


Aqueles chinelos permaneceram nesta mesma e exata posição por dias, semanas, talvez até mesmo anos. Apesar do chão estar impecável de limpo, assim como o chinelo, ninguém ousava usá-los. Ninguém ousava ousar.
J. costumava usar este par em sua casa, não havia um dia em que eles não se moviam, eram indissociáveis dos pés de seus donos, assim como o coração do corpo.
Claro que um dia o coração pará, torna-se inútil. Assim aconteceu também com estes chinelos. J. estava com seus chinelos e conheceu uma grande pessoa. L. Esta pessoa prometeu o céu, dizia que era o céu que devia se chamar "Sua casa". Este era seu lugar. J. acreditou em suas palavras, mas claro que as palavras só servem quando algo as aprova. J. e L. Fizeram amor, seus corpos se uniram , seus corações bateram como um só, suas respirações tornaram-se "respiração". L. se tornou J. J. tornou-se L. J. L. L. J. Como combinado, logo após ao grande ápice, ao nirvana, a plenitude. J começou a sentir-se leve e como uma pluma e começou a levitar, o chão não mais a pertencia. No lugar de chinelos, asas. No lugar da realidade, SONHOS.

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- Ei, não ganho nem um beijo de despedida e umas palavrinhas bonitas?
- Ah... sabe, não sou muito disso. Tenho que estar no Check-in em poucos minutos. E sabe, nesses momentos eu nunca sei o que dizer, as vezes falo besteiras e .... sabe?
- Não sei, para mim parece que tudo que passamos juntos foi algo fugaz e sem sentido. Me sinto
fraca por não ouvir umas palavras.
- Bem, pode até parecer muito "cliché" mas o que passei com você, não tem palavras para se descrever. Eu já disse que não sei usar muito bem as palavras. Você lembra?
Naquele dia na pizzaria perto da Saldanha? A gente se beijou pela primeira vez saindo de lá, naquela ruela. Poxa, aquilo foi um dos melhores momentos da minha vida.
- Sim, eu me lembro muito bem....
- Então eu não sei falar nada que faça a gente sentir a mesma coisa que sentimos. Palavras são um pouco inúteis.
- Bem, eu entendo. Então quero algo aqui, uma ação, que me faça lembrar de nossa despedida de uma forma especial.
- Ok, eu já tinha pensado nisso. Feche seus olhos....Feche mesmo....Ainda estou te vendo.... Assim....Conte até 10.

Quando abri meus olhos, só pude ver um par de chinelos, aqueles que ele usou na nossa primeira noite e única noite. E ele havia desaparecido. Só seus chinelos. Belos chinelos.

Casal Atencioso



- Então está certo! Vamos decidir no jogo.

Se sentaram e começaram a mexer as peças.

O jogo só precisava estar na cabeça deles, não havia necessidade de peças reais, apenas as imaginárias eram movidas.

Ainda bem que a discussão tinha se iniciado na praça, assim haviam encontrado um jeito bem prático e rápido de findar com aquela disputa que até então se dava em palavras.

Alguém que passasse poderia observar perplexo a avidez com que jogavam o jogo invisível.

Suas discussões sempre levavam horas e nunca chegavam a uma conclusão, certas decisões eram sempre decididas com algo que fosse incontestável, como jogos e sorteios. Quem conhecia esse casal ficava impressionado com a freqüência com que discutiam e mais impressionado ainda com a infinidade dessas discussões.

- Xeque-mate!

- Você estava jogando xadrez? Eu estava jogando damas.
- Ah... Eu estava imaginando outra coisa...

Grivicich
Foto: Daniel

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Xadrez

Eis minha versão desta foto. Curta e simples:

"Ela poderia ter ganho o jogo se não fosse a falta de um rei para se capturar..."

Bêbado e o Homem.

Nesta esquina, sob essa luz artificial a vida acabou para alguém.
Já eram quase duas da manhã quando o bêbado estava saindo do bar - só parou de beber porque sua mão já não aguentava seus movimentos de subir e descer - e foi parado por uma pessoa que ele nunca tinha visto igual, era alguém claro, alto e com voz suave. As palavras que saiam de sua boca apesar de terríveis, eram doces. O bêbado iria morrer, sua estada na Terra havia chegado ao fim e ele não havia aproveitado muito, não havia porque ficar mais sendo um estorvo. Na verdade só mesmo para o dono do bar, ele havia sido nesses últimos anos uma pessoa boa.

Todos que o observavam de dentro do bar, pensaram que ele estava apenas parado na esquina, pensando e balbuciando algumas palavras. Mas o homem em frente dele mostrava-se calmo mesmo dizendo "Você vai morrer agora", e por incrível que pareça, o bêbado estava conversando calmamente com o homem, talvez por estivesse sob efeito do álcool. O que aconteceria quando o bêbado acordasse sóbrio? Mas não acordaria jamais.

Depois de alguns minutos de pedidos de perdão e argumentação, o homem empurrou gentilmente o bêbado contra uma moto que vinha em alta velocidade. E o atingiu. O bêbado foi arremessado de uma forma cinematográfica e, pairando no ar, teve seu primeiro momento de lucidez em quase toda sua vida, disse:
"Eu sou um merda".

Daniel Faleiro