quinta-feira, 30 de agosto de 2007


Foi o medo
O medo o prendeu lá em cima
O medo do desconhecido
É o medo que nos prende, prende a todo instante se deixarmos. A cada passo a frente, a cada segundo que nos leva, lá está ele: O desconhecido.
Nunca podemos saber o que ocorrerá, mesmo se soubermos. Qualquer previsão, qualquer profecia nunca é exatamente o que achamos que vai ser, sempre nos surpreendemos.

E lá estava, uma nova pessoa em sua vida: o desconhecido.
Entrou estrondosamente em seu mundo quieto sem pedir permissão.
"Meu paraíso invadido! Minha paz tomada!" deve ter pensado ele.
Essa situação é para deixar qualquer um apavorado, e nesse pavor, foi isso que ele fez: fugiu. Exilado em seu próprio lar, escondido esperando sabe lá o quê que o desconhecido traria.
O desconhecido trouxe um peso gigantesco e o pôs bem no meio de sua terra, modificando tudo que lá havia. Não reconhecia sua própria morada de infância, o que ele fez com ela? Não conseguia saber, já que o pouco que conseguia enxergar aquela distância não era muito claro, o pouco que sabia tinha sido modificado.
Mas a pessoa foi embora tão rápida e estrondosamente quanto havia chegado, parecia uma eternidade sua presença, que nem foi percebida pelos dias que se sucederam lá em cima.
Desceu finalmente para encontrar o que se fez de desconhecido. No local onde anos atrás ele brincava, agora havia um sólido de madeira de um andar. Olhou e olhou até que subiu na edificação. "Uma vista esplendorosa" pensou.
Se deu por falta de seu irmão, ainda muito amedrontado com tudo isso, mas estava tranqüilo, já que naquele momento ele se deu conta de que O desconhecido trouxe o presente.


Grivicich
Foto: Grivicich

domingo, 19 de agosto de 2007

Sob as luzes amareladas



Sob as luzes amareladas ela caminhava. Quase ninguém na rua. Olhava para o chão.
Não se sabe o que vai encontrar ao se dobrar a esquina de uma dessas ruelas, no mínimo mais uma dessas casas antigas de um charme sem igual.
Acelerava o passo pois já estava atrasada para o encontro, mas antes que pudesse atingir seu destino foi de encontro contra alguém, algo tão inesperado que os dois foram ao chão. Um verdadeiro encontrão.
A figura não demorou a estender a mão. Mas recusando a oferta ela se levantou. Sentiu o cheiro. Era um cheiro gostoso, apaixonante e envolvente. Mas antes que se deixasse envolver ela se lembrou!!! Era dele! Mesmo a luz sendo fraca o reconheceu. Então ela se deu conta que não estava tudo acabado! E antes que pudesse fazer alguma das humilhantes loucuras do passado, antes mesmo que pudesse dar margem a um pedido de desculpas mútuo, seguiu seu caminho.
Mais adiante encontrou sua amiga.
- Que cara é essa?
- Nada. Apenas passei por uma sombra.

Foto: Figo
Texto: Grivicich

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Folhas Secas

Foto: Clara Grivicich


Eles dois caíram como duas folhas solitárias numa árvore em pleno outono, não havia mais esperanças de se sustentarem no galho da mentira, estavam apenas presos minimamente, o vento da verdade cortaria o elo entre essas folhas quase mortas e a árvore.
"Não há mais nada entre nós, né?"
"Apenas esse galho frágil e seco que ainda nos sustenta."
"É, mas logo ele se partirá e não mais teremos algo em comum."
"Você acha que nos salvaremos quando cairmos?"
"Não."
"E se ficarmos não sobreviveremos?"
"Também não"
"Então? Qual a diferença da escolha se teremos o mesmo fim?"
"A questão é que depende se morreremos presos á uma mentira que uma hora ou outra cairá, ou se nos jogamos logo, e morreremos da maneira que quisermos, corajosos, derrotados mas de cabeça erguida."

E assim os dois caíram no final.

Por Daniel Figueiredo.

domingo, 1 de julho de 2007

Imersão


No começo era a letra "B", diriam uns.
No começo... quando tudo se criou
O universo feito de letras e palavras.
As letras desenhando tudo o que há e as palavras surgindo para escrever e fazer existir, todas elas caminhando e se transformando, num grande balé microscópico na essência das coisas.
“As palavras têm poder” irão advertir. Será o poder da própria criação?
!
Toda vez que algo surge um nome é dado. A cada coisa, a cada recém nascido, a todo ser vivente.
O inominável pode ser a destruição suprema ou a criação.

Se o mundo é feito de palavras e letras, esse mundo e o universo a sua volta poderiam ser escritos em um livro?
E esse livro...
Da esquerda pra direita? Da direita para a esquerda? De cima para baixo? De baixo pra cima? Na diagonal? Por todos os lados?

E esse livro..?
Brochura, rolo, tábuas, argila...?
Alguns concordariam comigo, muitos não.

Mergulharia dentro dele em algum momento de insana curiosidade para descobrir o que há dentro de tudo o que há.
Mas sendo uma criadora nata, seria algo desastroso tê-lo em minhas mãos. Algo tão mutável e essencial... desejaria editá-lo pela raiz, fazer do meu jeito.
Mudar uma letra bastaria.
Destruir todas as palavras tal uma bomba atômica

Imagine esse mundo se acabando, todas as letras voando no * *!
O nada tomaria conta e tudo teria de ser escrito de novo, tudo ocorreria de novo, talvez só um pouquinho diferente.

E aí alguém riscaria, rabiscaria, desenharia, faria marcas, símbolos e escreveria uma história maluca sobre um dilúvio que varrera seu mundo fazendo de um novo recomeço.
Então a cada dia fariam formas mais compactas e mais compactas e muito mais compactas para manter marcados esses nomes e as chamariam por um nome, que deliciariam uns e aterrorizariam outros, enquanto poderia também causar muita indiferença. Quem abre esses objetos desvenda parte desse universo, encara todas asquelas letras e mergulha nesse mar.
Um dia alguém, se julgando em posição para tal, irá mudar aquela letra, achando que está fazendo o que deve ser feito, mesmo sabendo ou não o resultado.
E antes que o livro se feche, as letras irão voar novamete.
No começo.

Foto: Figo
Texto: Grivicich

terça-feira, 19 de junho de 2007

Gato

Foto: Clara Grivicich


Olhos de gato

Como se tivesse olhos de gato, fitou-me com mistério. Pareciam rasgar minha alma, pareciam me levar para algum lugar qualquer que não fosse aqui, não neste inferno que estou agora. Me lembrei de todos os momentos em que senti algo parecido com isso, que pudesse descrever usando a caneta da memória, mas nada encontrei. Realmente, tudo isso era novo e diferente. Assustador mas tentador como quando somos crianças e vemos uma sala escura e mesmo com nossas frágeis pernas tremendo seguimos em frente. Quem dera se todos os adultos fossem assim. E acho que chegou minha hora de ser assim, de trazer meu pequeno-eu de volta ao mundo, de tirá-lo desta gaveta que se chama ontem e fazê-lo hoje para que amanhã eu me sinta melhor.

Passaram-se apenas alguns segundos, e você continua parada com seus olhos de gato, estou ainda tentando decifrá-los. Você me convida ao novo mundo que é você, esse mundo novo de mistérios, escuro a espera da luz que você diz ser eu. Eu estou sem forças diante de você, não consigo mover sequer um dedo, não consigo fazer um menor som nesse silêncio, nesse silencioso mundo que você moldou, que brinca comigo e se diverte com esse meu medo.

Continua me encarando com esse seus olhos de gato, percebo que você espera apenas um mínimo gesto meu. Ora eu sou homem, devo tomar iniciativas já que o mundo diz isso. Você não pretende mudar uma nota musical sequer, a pausar parece eterna. Mas agora consigo, consigo rasgar esse silêncio ensurdecedor, consigo contra essa força de toneladas insegurança sob minha força de vontade e consigo romper com toda essa estrutura que você criou em torno de mim. Ganhei de você.

Por Daniel Figueiredo