sexta-feira, 16 de outubro de 2009
.:Corpo, ou como morrer completamente e nunca ser encontrado:.
“Tá mais um corpo estendido no chão”
Cantarola o jovem enquanto caminha para a rua, uma canção que ilustra muito bem aquele local por onde o jovem caminhava, não raro era possível encontrar pessoas deitadas, vivas ou mortas, ébrias ou sóbrias. O jovem está pensando nesse momento sobre sua vida, sobre seus planos para esse fim de semana. Tinha muitos planos, estava na idade de ter planos para todos os dias, pensava nas suas namoradas (é tinha várias), suas drogas (também tinha várias) e suas casas (ele sempre tivera muitas opções e optou por não escolher).
Enquanto isso, fora de suas infinitas opções particulares, o mundo ainda girava. E este mundo se choca com o garoto. Uma multidão. Vozes altas de todos os timbres ecoavam na mente ocupada do jovem. E ele repara. Para. E tenta observar. “O que estão todos observando? O que poderia atrair o interesse de todos? Curiosos”. Bem que ele tentou não ser seduzido pela curiosidade, mas não teve muita escolha, acabou por se aproximar mais do centro de todas aquelas formigas, queria descobrir o que realmente acontece.
Bem, o jovem é alheio a tudo, suas mulheres, drogas e casas fazem com que seu tempo seja dedicado a tudo isso, não sabia mais nada sobre o mundo e muito menos dele mesmo. Até alguns amigos dele disseram que um dia ele iria se olhar no espelho e não mais saberia que era ele quem a imagem estava encarando.
Depois de empurrar muitas pessoas, algumas até distantemente reconhecíveis, ele chega e se depara com um jovem morto, com uma bala e na mão uma trouxinha de maconha, diziam as muitas bocas que ele morreu após tentar fugir com a droga de um qualquer. Mas como ele também era um qualquer, não faria muita diferença para o crime em eliminar essa pessoa que nem mesmo tinha um nome para se lembrar. “Pode ir atrás dele e matar, ninguém sentirá falta mesmo” disse um chefe da boca quando soube que seu cliente qualquer tinha fugido com a droga.
Após olhar com indiferença para o corpo, o jovem seguiu com sua rotina diária à lugar nenhum, enquanto seu corpo estava ainda estendido no chão e onde ficaria até que uma ambulância levasse ele para o IML.
Daniel Faleiro
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Danke
"Danke, Mademoiselle." Disse o velho a uma moça que deu uma caixa de papelão.
Desde que chegou não se lembra de muita coisa daqui. Foi se esquecendo aos poucos e só se recordava do que era mais recente. Lembrava muito do último lugar que esteve. Lembrava de uma menina sorrindo. Lembrava dos dias. Lembrava que queria ser lembrado. Ultimamente estava lembrando menos.
Catava papelão na rua, era como conseguia o seu dinheiro, era basicamente o que conseguia fazer, o que seu orgulho deixava.
Ia voltar! Tinha convicção. Só não tinha clareza.
Andava muito, quase a cidade inteira. Andava para sobreviver e para ver a menina do sorriso, que há algum tempo não sorria mais.
Na verdade ele nem via mais a menina praticamente. Isso o deixava triste... Muito... Mesmo.
Andando perto do canal ele pensava no papelão, na caixa, na volta. Por cima?
Então viu um arco-íris no meio do canal imundo. As cores tão lindas que maravilhavam seus olhos, que sempre maravilharam. Seu peito se encheu naquele instante. Se virou para falar com a menina, mas ela não estava lá.
Ao longe viu o reflexo do sol piscando num instante. Aquilo que entendia bem. Bateu uma pontinha de inveja por não ser ele atrás do reflexo. Sorriu e penseou (se consolando pela falta da menina) que não precisaria mais se lembrar de ser lembrado. Já estava a mais um passo de poder ir.
Bateria um orgulho tremendo se soubesse, que por trás do reflexo daquela lente, estava a menina para lembrá-lo.
Grivicich
Foto: Daniel Faleiro
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